Edição 13 – Novembro de 2009
Muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus)
Os muriquis (macacos cientificamente incluídos no gênero Brachyteles) têm uma história que se iniciou há 12 milhões de anos, muito antes de a espécie humana surgir e alcançar o pedaço de terra hoje chamado Brasil.
Semelhantes aos atuais macacos-barrigudos da Amazônia, os ancestrais dos muriquis foram, pouco a pouco, migrando rumo ao sul, cuja vegetação era mais variável e seca. Eles se adaptaram a este novo ambiente passando a comer mais folhas quando não encontravam frutos. Ao longo das gerações os muriquis cresceram em tamanho, uma adaptação que lhes permite aproveitar melhor as folhas, que são pobres em energia, como alimento. Atualmente, os muriquis são os maiores primatas das Américas depois dos humanos.
Os muriquis existem apenas na Mata Atlântica brasileira, onde, originalmente, havia cerca de 400.000 indivíduos. Hoje, não restam mais do que 2.100, divididos em duas espécies: o muriqui-do-sul (Brachyteles arachnoides), com cerca de 1.300 indivíduos que sobrevivem no que restou da Mata Atlântica no Rio de Janeiro, leste de São Paulo e norte do Paraná; e o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), com aproximadamente 900 indivíduos em 13 áreas no Espírito Santo e Minas Gerais. Ambas espécies estão ameaçadas, sendo que os muriquis-do-norte são listados como criticamente em perigo, a classificação mais extrema para espécies em risco de extinção. Suas principais ameaças são a destruição de seu habitat (as florestas da Mata Atlântica) e a caça.
Hábitos e alimentação
Os muriquis habitam áreas de florestas primárias e secundárias. O nome científico de seu gênero, Brachyteles, é uma referência ao seu estilo semibraqueador de locomoção. Seu corpo é inteiramente adaptado à vida arborícola, com braços, pernas e dedos longos, articulações muito flexíveis, e o mais importante: uma cauda longa, muito forte, além de totalmente preênsil e com uma grossa palma de pele. Desta forma, os muriquis podem se segurar em posturas surpreendentes, e dar saltos incríveis de um galho a outro.
Estes grandes macacos vivem em grupos que podem passar dos 90 membros, são nômades e podem se deslocar por longas distâncias à procura de alimento. Em um único dia, um grupo pode percorrer mais de 4 Km. A área usada por um único bando pode passar dos 800 hectares.
Os muriquis são totalmente vegetarianos, alimentando-se de folhas novas ou maduras, brotos, cascas de árvores e flores. Contudo, seus alimentos prediletos são os frutos!
Os grupos têm seus locais preferidos para procurar alimentos e dormir. Deslocam-se em fila, passando nas mesmas árvores e, muitas vezes, nos mesmos galhos. Estas rotas bem marcadas diminuem os riscos de quedas. Quando alcançam as chamadas “praças de alimentação”, se dividem em grupos menores. É comum neste momento, ouvirmos vocalizações amistosas, indicando que algum membro encontrou boas quantidades de frutos ou flores e está convidando os demais para compartilharem o alimento.
Reprodução
Os muriquis são um retrato da paz e da cooperação. Raramente demonstram sinais de disputa ou agressividade e estão sempre atentos uns aos outros. Os machos não brigam, mesmo quando o que está em disputa é a chance de reproduzir. Curiosamente, eles compartilham também as fêmeas. Quando uma delas está no cio, cheiros e toques suaves indicam sua receptividade. Os machos a seguem pela floresta e se revezam entre as diversas cópulas que ela aceita. Neste intrigante sistema reprodutivo, uma forma de competição silenciosa é refletida pelo testículo dos machos, que são enormes! Na teoria, o macho que produz mais esperma, tem maior chance de se reproduzir. Na prática, a agressividade foi banida da sociedade muriqui e os machos formam um grupo igualitário.
A igualdade dos machos se estende também às fêmeas: elas não têm diferenças de tamanho com relação ao sexo oposto e são respeitadas por eles. Entre elas, os laços de cooperação também são nítidos, principalmente na busca e defesa de alimentos.
Quando atingem a idade reprodutiva, por volta dos 7 a 9 anos, as fêmeas abandonam seu grupo natal e migram numa aventura solitária pela floresta. Elas viajam semanas ou até meses, sozinhas. Quando encontram outro grupo, elas se aproximam na tentativa de serem aceitas e, aos poucos, se estabelecem no novo bando.
Com idades entre 8 a 10 anos, as fêmeas copulam e iniciam sua primeira gestação, que dura pouco mais de sete meses. As mães dão à luz a um único filhote (raramente têm gêmeos). O recém-nascido fica grudado ao peito materno durante os dois primeiros meses de vida. Aos poucos, começa a se aventurar pelo corpo da mãe, e a partir do quarto mês viaja, balança e salta sempre agarrado na garupa dela! Os primeiros balanços fora da mãe são desajeitados e cautelosos! Porém, logo o filhote ganha força e confiança para balanços mais ousados! Após o primeiro ano de vida, o pequeno muriqui já se desloca com facilidade pelos galhos mais finos e, sempre que a mãe para, aproveita para brincar com os outros filhotes do grupo. Aos poucos vai se tornando independente, até que por volta dos dois anos, permanece apenas próximo da mãe, sem necessitar diretamente dela. Passados de dois a três anos desde a gestação e criação de um filhote, a mãe muriqui está pronta para dar à luz novamente: um novo ciclo pode se iniciar.
O muriqui-do-norte em Minas Gerais
Em Minas Gerais, há registros do muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) no Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, proximidades do Parque Estadual do Ibitipoca, no Parque Estadual do Rio Doce, Parque Nacional do Caparaó, Reserva Biológica da Mata Escura, Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Feliciano Miguel Abdala, e RPPN Mata do Sossego, além de poucas áreas não-protegidas: propriedades no município de Santa Maria de Jetibá, Fazenda Córrego da Areia (em Peçanha), Fazenda Duas Barras (em Santa Maria do Salto) e Fazenda Esmeralda (em Rio Casca).
Na Fazenda Esmeralda, eles foram extintos, e na Mata dos Luna, próxima ao Parque Estadual do Ibitipoca, restam apenas quatro machos – uma situação de extinção genética. Em apenas cinco áreas onde resistem (Parques Estaduais da Serra do Brigadeiro e do Rio Doce, RPPN Feliciano Miguel Abdala, Parque Nacional do Caparaó e em Santa Maria de Jetibá), os muriquis-do-norte têm condições reais de sobrevivência a longo prazo. O Parque Estadual da Serra do Brigadeiro guarda a maior população de muriquis-do-norte em todo o mundo. Após três anos de pesquisas, os biólogos descobriram 11 grupos, com um total de 350 muriquis no Parque. A RPPN Feliciano Miguel Abdala, em Caratinga, também se destaca, devido às pesquisas com Brachyteles hypoxanthus, realizadas há mais de 25 anos.
A dedicação dos pesquisadores e a consciência ambiental de todos nós são fundamentais para garantir a sobrevivência do maior macaco das Américas.
Você Sabia?
Os muriquis apresentam um padrão de despigmentação na face, que é único para cada macaco, como se fosse uma “impressão digital”. Sendo assim, os pesquisadores treinados conseguem distinguir cada indivíduo de um grupo, e fazer um acompanhamento de toda sua vida, aprimorando os conhecimentos sobre este primata.
Referências Bibliográficas
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Mendes, S. L., M. M. Oliveira, R. A. Mittermeier e A. B. Rylands. 2008. Brachyteles hypoxanthus. In: IUCN Red List of Threatened Species. Version 2009.2. (http://www.iucnredlist.org/apps/redlist/details/2994/0).
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Leandro Santana Moreira – Biólogo