Edição 05 – Março de 2009

Surubim-do-doce (Steindachneridion doceanum)

O grupo dos peixes se destaca pela maior diversidade dentre os vertebrados. Um levantamento realizado em 2003 revelou a existência de pelo menos 2.300 espécies de peixes de água doce para o Brasil, que estão divididas em três grupos: os peixes cartilaginosos (Chondrichthyes), os peixes com nadadeiras raiadas (Actinopterygii) e os peixes pulmonados (Dipnoi). Essa diversidade é dada principalmente pela presença de sistemas hidrográficos variados, complexa história geomorfológica e por áreas biogeográficas únicas na América do Sul. Os Actinopterygii representam 95% das espécies conhecidas no Brasil. Atualmente as ordens Characiformes (lambaris, traíras, pacus, dourado, etc.), Siluriformes (bagres e cascudos), Perciformes (acarás, tilápias e tucunarés), Cyprinodontiformes (guppys e betas) e Gymnotiformes (tuviras e sarapós) se destacam por sua predominância na América do sul.

Os peixes de couro conhecidos como surubins são representantes dos Siluriformes e pertencem à família Pimelodidae. Em 1877 Franz Steindachner (1834-1919) adicionou a essa família o primeiro surubim descrito pela ciência com o nome Platystoma parahybae (atualmente Steindachneridion parahybae). Mais tarde, em 1888, dois famosos ictiologistas, Carl Eigenmann e Rosa Smith Eigenmann, o homenagearam mudando o nome do gênero para Steindachneria, e após outras descrições o gênero ainda veio a ser alterado para Steindachneridion.

É dentro desse gênero que os taxonomistas colocam o surubim-do-doce, cientificamente conhecido como Steindachneridion doceanum. Outras cinco espécies de surubim também são agrupadas dentro do gênero: surubim-do-jequitinhonha (S. amblyurum), surubim-do-paraíba (S. parahybae), bocudo ou suruvi (S. scriptum), surubim-manchado ou suruvi (S. punctatum) e surubim-do-iguaçu (S. melanodermatum). Com exceção da última espécie citada, todas as demais ocorrem no estado de Minas Gerais.

Indivíduos de Steindachneridion doceanum coletados no rio Piranga, cidade de Ponte Nova.

Steindachneridion doceanum é um peixe endêmico da bacia do rio Doce, nos estado de Minas Gerais e Espírito Santo. No passado era pescado com certa freqüência ao longo da calha do rio e existem registros históricos de espécimes que chegaram a pesar até 28 kg. Hoje, esta espécie está restrita apenas aos trechos de forte correnteza e de fundo rochoso.

Detalhe da coloração do couro do surubim-do-doce.

Hábitos e alimentação

Informações sobre a dieta e a reprodução do surubim-do-doce são escassos. Sabe-se que a espécie se alimenta no período noturno ou quando as águas estão turvas. Os surubins são bentófagos, ou seja, alimentam-se de tudo que está no fundo do rio. Porém sua dieta principal são peixes de pequeno e médio porte. A reprodução ocorre com desova total (a fêmea libera todos os óvulos de uma vez), o que indica que existe um período delimitado para a reprodução, embora o mesmo ainda seja desconhecido.

Importância

Esse grande peixe é considerado um predador de topo de cadeia. Sua alimentação exerce controle sobre as demais populações de peixes e outros grandes invertebrados.

A diminuição de suas populações tem sido relacionada com as alterações de seu hábitat, principalmente o assoreamento dos rios, causado pela destruição das matas ciliares e pela construção de barragens que alteram drasticamente a dinâmica do rio. Certamente outros fatores, como a poluição e a introdução de espécies exóticas (aquelas que não ocorrem naturalmente na região), como o tucunaré e o pintado comercial, podem ter acelerado seu declínio.

Localidades no rio Santo Antônio onde é encontrado o surubim-do-doce.

O surubim-do-doce em Minas Gerais

Nos últimos anos, ao longo de sua área de distribuição conhecida, o surubim-do-doce vem sendo encontrado em apenas três localidades, todas em Minas Gerais: no médio rio Santo Antônio, próximo à cidade de Ferros, no baixo rio Manhuaçu e no rio Piranga, na cidade de Ponte Nova.

Steindachneridion doceanum, assim como as outras quatro espécies do gênero com ocorrência no estado, é considerado criticamente ameaçado de extinção em Minas Gerais. O surubim-do-doce também é considerado criticamente ameaçado em âmbito nacional, e está extinto no estado do Espírito Santo.

Atualmente, o surubim-do-doce é encontrado com maior frequência nos rios Santo Antônio e Piranga, onde uma população foi descoberta recentemente. Em função desta espécie estar ameaçada de extinção, a Câmara Municipal de Ponte Nova decretou em 2008 a Lei nº 3.225, transformando o trecho do Rio Piranga que passa pela cidade em área de proteção ambiental e fins paisagísticos.

O surubim-do-doce em Viçosa

Em Viçosa não existem registros até o momento da presença do surubim-do-doce. Provavelmente a hidrografia da região de Viçosa não suporta as necessidades da espécie.

Localidades no rio Piranga onde é encontrado o surubim-do-doce.

Você Sabia?

Atualmente a perpetuação do surubim-do-doce depende da conservação do seu habitat. Introduções de peixes exóticos, assim como as barragens e a degradação do habitat, põem em risco sua sobrevivência. Um dos principais competidores é o pintado híbrido utilizado em piscicultura. Este peixe comercial é o resultado do cruzamento entre o pintado (Pseudoplatystoma corruscans) e o cachara (Pseudoplatystoma fasciatum). Conhecido como pincachara ou ponto-e-vírgula (devido ao seu padrão de manchas se assemelhar ao sinal gramatical), a introdução deste híbrido em ambientes naturais confere grande ameaça ao surubim-do-doce e outras espécies nativas.

Detalhe da coloração de um exemplar de pincachara.

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Frederico Belei de Almeida – Biólogo

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