Edição 02 – Dezembro de 2008
Perereca-de-folhagem (Phyllomedusa burmeisteri)
A perereca-de-folhagem é um anuro da família Hylidae, junto com mais de 850 espécies de pererecas no mundo. O gênero Phyllomedusa possui atualmente 32 espécies das quais 24 são conhecidas para o Brasil.
A palavra Phyllomedusa é derivada do Grego phyllo = folha ou folhagem e medousa = rainha ou protetora.
Desta forma o nome do gênero significa rainha da folhagem ou protetora da folhagem.
Os anfíbios, assim como outros animais, são comumente divididos pelos pesquisadores em grupos de espécies, que têm a finalidade de relacionar as espécies mais próximas entre si dentro de um mesmo gênero. Nesse contexto, a perereca-de-folhagem empresta seu nome científico para o grupo ao qual pertence, denominado como grupo de Phyllomedusa burmeisteri. Neste grupo também estão incluídas outras três espécies de perereca: P. distincta, P. iheringii e P. tetraploidea.
A perereca-de-folhagem é amplamente distribuída pelo território brasileiro, ocorrendo do norte de Sergipe ao sul de São Paulo. Pode atingir quase oito centímetros de comprimento, sendo considerada um hilídeo (animal que pertence a família Hylidae) de médio a grande porte.
Hábitos e alimentação
É uma espécie arborícola, comumente encontrada na vegetação arbustiva próxima a lagoas no interior de matas, inclusive em áreas degradadas. Possui atividade noturna, período no qual sai em busca de alimento e de parceiros para se reproduzir. À semelhança de outros animais noturnos, os olhos da perereca-de-folhagem apresentam pupila vertical, importante para aumentar a capacidade de visão durante a noite.
Os indivíduos desta espécie movimentam-se lentamente em um tipo de marcha característica e raramente utilizam o salto para locomoção. São típicos predadores senta-e-espera, ficando em repouso sobre a vegetação até a passagem de alguma presa em potencial (geralmente aranhas ou grilos), movimentando-se apenas no momento do ataque. Nesta situação de espreita a intensa coloração verde auxilia na camuflagem entre as folhas.
Um fato interessante é que indivíduos de P. burmeisteri também adotam uma tática de forrageio (busca por alimento) denominada engodo pedal. Através dessa tática, a perereca-de-folhagem movimenta alguns dedos dos pés de forma a imitar pequenos vermes e assim atrair grilos e gafanhotos, que posteriormente são capturados.
Tal comportamento é raro em espécies de perereca de hábito arborícola, sendo mais evidente em anuros que vivem no folhiço ou outros ambientes no chão de florestas.
Outro comportamento da perereca-de-folhagem que merece destaque é a tanatose, um mecanismo de defesa no qual o animal se finge de morto, permanecendo imóvel até que o perigo cesse. Através desse comportamento defensivo o animal é capaz de sobreviver ao ataque de algumas serpentes, como algumas cobras-cipó (gênero Chironius) que se alimentam preferencialmente de presas vivas.
Reprodução
Semelhante à maioria dos anfíbios, a perereca-de-folhagem tem sua atividade reprodutiva associada à estação chuvosa, geralmente compreendida entre os meses de outubro a março. Os machos são encontrados em atividade de vocalização (coaxando), preferencialmente sobre a vegetação emergente e arbustiva, às margens de lagoas. Na presença da fêmea os machos intensificam a vocalização. Eles também são considerados territorialistas, pois quando se encontram apresentam comportamentos que envolvem desde o uso de displays (exibição das superfícies dos flancos e superfícies escondidas das coxas, que geralmente são áreas com colorações mais intensas e/ou vivas), emissão de cantos específicos e até agressão física, através de chutes e movimentos de repulsão.
Posterior à corte, o macho abraça a fêmea pelas costas, realizando o amplexo (abraço nupcial). Em alguns casos, vários machos tentam simultaneamente abraçar a mesma fêmea.
A desova é realizada em folhas enroladas na forma de funil que ficam pendentes à margem de lagoas. Com o desenvolver dos ovos, os girinos caem na água, onde irão se desenvolver até a fase adulta.
A perereca-de-folhagem em Minas Gerais
A Revisão das Listas das Espécies de Fauna e Flora Ameaçadas de Extinção do Estado de Minas Gerais, realizada em 2007 pela Fundação Biodiversitas, inclui a espécie na categoria não ameaçada. A mesma classificação é dada pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). Entre os fatores que contribuem para a inclusão da perereca-de-folhagem nesta categoria estão: (i) a sua extensa distribuição, (ii) a tolerância a habitats parcialmente degradados e (iii) as grandes populações estimadas.
A perereca-de-folhagem em Viçosa
No município de Viçosa, a espécie é encontrada na Mata da Biologia (fragmento florestal localizado dentro do campus da Universidade Federal de Viçosa) e na Estação de Pesquisa, Treinamento e Educação Ambiental na Mata do Paraíso (EPTEA-MP), outro fragmento de mata localizado a aproximadamente 15 Km da cidade. Provavelmente a perereca-de-folhagem ocorra em outros fragmentos florestais ainda não estudados da região de Viçosa.
Você sabia?
Outras espécies do gênero Phyllomedusa já tiveram detectadas na pele a presença de substâncias bioativas, com potenciais usos como antibióticos, anestésicos, cicatrizantes, entre outros. A concentração dessas substâncias nas glândulas paratóides desses animais merece atenção. Acredita-se que as espécies de Phyllomedusa, incluindo a perereca-de-folhagem, provavelmente possuam um potencial farmacêutico ainda não explorado.
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Mário Ribeiro de Moura – Biólogo