Edição 10 – Agosto de 2009

Lambari (“Astyanax bimaculatus”)

O gênero Astyanax é formado por peixes com grande diversidade nas bacias da América do Sul, apresentando mais de 80 espécies de lambaris ou tambiús conhecidas para as águas continentais brasileiras. A existência de espécies morfologicamente muito semelhantes, mas com grande variabilidade genômica dentro do gênero levou alguns pesquisadores a considerarem algumas delas como complexos de espécies. Os grupos ou complexos de espécies são formados por espécies de um mesmo gênero, reunidas de acordo com seu nível de parentesco. Dentro de Astyanax, os mais conhecidos são “Astyanax scabripinnis”, “Astyanax fasciatus” e “Astyanax bimaculatus”.

Alguns exemplares dos complexos de espécies de lambaris. A) Astyanax scabripinnis. B) Astyanax fasciatus. C) Astyanax bimaculatus.

A família Characidae, que inclui os lambaris, é uma das maiores e mais complexas entre os peixes neotropicais. Tamanha diversidade e complexidade tem dificultado os pesquisadores a compreenderem melhor o grau de parentesco entre as espécies de Astyanax. O fato de várias espécies desse gênero poderem ocorrer simultaneamente dentro de uma mesma bacia, rio ou lago agrava a situação.

Atualmente há cerca de vinte e uma espécies ou subespécies dentro do complexo “A. bimaculatus”, todas elas de pequeno porte, chegando ao máximo a 200 mm. de comprimento. Estes peixes apresentam duas manchas, sendo uma na região umeral (próxima à nadadeira peitoral), com forma ovalada e posição horizontal, e outra em forma de clava, seguindo do pedúnculo caudal à porção mediana do corpo.

Habitat e Alimentação

Os lambaris habitam diversos ambientes aquáticos, como rios, riachos, lagoas e represas, mesmo naqueles onde há ocupação humana. As espécies do complexo “A. bimaculatus” alimentam-se tanto de recursos de origem alóctone (frutos, semente e insetos terrestres) quanto de origem autóctone (insetos e vegetais aquáticos, escamas, ovócitos entre outros). Forrageiam em todos os níveis tróficos, ou seja, podem ser consumidores primários (alimentando-se de plantas e fitoplâncton), secundários ou terciários (ingerindo zooplâncton, insetos e peixes). Até mesmo detritos e sedimentos são consumidos por eles. O oportunismo destes peixes é a característica que lhes confere uma enorme capacidade de colonizar diferentes habitats. Estudos com “A. bimaculatus” verificaram que esta espécie é sempre uma das primeiras a descobrir e usar um novo tipo de alimento.

Lagoa no campus da UFV, onde o lambari pode ser encontrado.

Reprodução

Os lambaris “A. bimaculatus” não praticam piracema, isto é, não sobem os rios para desovar. A fecundação é externa e os pais não cuidam dos ovos ou filhotes. Estudos com reprodução induzida estimaram uma média de 1.038 ovos por indivíduo. O sucesso alcançado por populações de “A. bimaculatus” se deve à grande gama de estratégias reprodutivas, sendo que essas táticas variam de acordo com as condições ambientais. Discute-se bastante também a possível influência de fatores abióticos (como fotoperíodo, temperatura e nível fluviométrico) e bióticos (disponibilidade de alimento) sobre o processo reprodutivo.

Importância

Diversos estudos têm utilizado peixes para avaliações ecotoxicológicas, demonstrando sua sensibilidade no diagnóstico ambiental. Os lambaris do complexo “A. bimaculatus” possuem grande adaptabilidade a diferentes habitats e são sensíveis a mudanças em seu ambiente natural, apresentando-se como um bons bioindicadores de alterações ambientais (principalmente em nível celular).

Outro fator importante é a alimentação de comunidades tradicionais, que utilizam este pequeno animal como fonte de alimentação. Os lambaris também possuem importante posição na cadeia alimentar, fazendo parte da dieta de variados vertebrados, como mamíferos aquáticos, diversas aves e até alguns anfíbios e répteis. Estudos demonstram que espécies desse complexo podem ser dispersores secundários de sementes, fato relacionado com a preservação das matas ciliares. A dispersão secundária permite às plantas que compõem as matas de galeria e ciliares maximizar a distância das sementes da planta-mãe. O dispersor principal das sementes dessas plantas é a água (hidrocoria), mas em ambientes lênticos, onde a correnteza é reduzida, ocorre uma limitação desse transporte. É nesses locais que a dispersão secundária pelos lambaris (ictiocoria), que consomem os frutos e evacuam as sementes, torna-se importante para o sucesso reprodutivo das plantas.

Os lambaris em Minas Gerais e em Viçosa

O complexo “A. bimaculatus” é amplamente distribuído pela região Neotropical e encontra-se presente em todas as bacias hidrográficas que cortam o estado de Minas Gerais (São Francisco, Alto Paraná e Doce). No município de Viçosa é encontrado facilmente nas lagoas da UFV e no ribeirão São Bartolomeu e provavelmente ocorre em todos os cursos d’água da região.

Espécimes de “Astyanax bimaculatus” da lagoa das quatro pilastras, UFV, Viçosa.

Você Sabia?

Os lambaris são muito visados como petiscos e “tira-gosto” em diversos locais, e possuem grande aceitação por seu sabor e baixo custo. Devido a isso, existem estudos que promovem criadouros ecológicos sustentáveis para regular a exploração desses peixes. Atualmente, na seção de congelados de qualquer mercadinho podemos encontrar lambaris à venda.

Quem não gosta de uma porção de lambari frito?

Referências Bibliográficas

ANDRIAN, I. F.; SILVA, H. B. R.; PERETTI, D. Dieta de Astyanax bimaculatus (Linnaeus, 1758) (Characiformes, Characidae), da área de influência do reservatório de Corumbá, Estado de Goiás, Brasil. Acta Scientiarum, v. 23, n. 2, p. 435-440, 2001.

BAILLY, D.; AGOSTINHO, A. A.; SUZUKI, H. I.; LUIZ, E. A. Características reprodutivas de espécies de Astyanax e sucesso com a colonização de reservatórios do rio Iguaçu, PR. In: RODRIGUES, L.; THOMAZ, S. M.; AGOSTINHO, A. A.; GOMES, L. C. (Org.). Biocenoses em reservatórios: padrões espaciais e temporais. São Carlos: Rima Editora, 2005, p. 243-252.

BRITSKI, H. A. Manual de identificação de peixes da região de Três Marias (com chaves de identificação para os peixes da bacia do São Francisco). Brasília: Câmara dos deputados, 1986. 143 p.

ESTEVES, K. E.; GALETTI JR, P. M. Food partitioning among some Characids of a small brasilian floodplain lake from the Paraná River basin. Environmental Biology of Fishes, v. 42, n. 4, p. 375-389, 1995.

GARUTTI, V. & BRITSKI, H.A. Descrição de uma espécie nova de Astyanax (Teleostei: Characidae) da bacia do alto rio Paraná e considerações sobre as demais espécies do gênero na bacia. Comunicações do Museu de Ciências e Tecnologia, PUCRS, Série Zoologia, v. 13, p. 65-88, 2000.

GARUTTI, V. Contribuição ao conhecimento reprodutivo de Astyanax bimaculatus em cursos de água da bacia do rio Paraná. Revista Brasileira de Biologia, v. 49, n. 2, 1989.

GARUTTI, V. Descrição de Astyanax argyrimarginatus (Characiformes, Characidae) procedente da bacia do rio Araguaia, Brasil. Revista Brasileira de Genética, v. 59, n. 4, 1998.

GÉRY, J. Characoids of the World. Neptune City: T.F.H. Publications, 1977. 672 p.

LIMA, T. C. F.; MALABARBA, R. L.; BUCKUP, A. P.; SILVA, P. F. J.; VARI, P.; HAROLD, A.; BENINE, R.; OYAKAWA, T. O.; PAVANELLI, S. C.; MENEZES, A. N.; LUCENA, S. S. C.; MALABARBA, L. S. C. M.; LUCENA, S. M. Z.; REIS, E. R.;

LANGEANI, F.; CASSATI, L.; BERTACO, A. V.; MOREIRA, C.; LUCINDA, F. H. P. Genera Incertae Sedis in characidae. In: REIS, R. E.; KULLANDER, S. O.; FERRARIS JR., C. J. (Org.). Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, p. 106-109.

LOBÓN-CERVIÁ, J.; BENNEMANN, S. Temporal trophic shifts and feeding diversity in two sympatric, neotropical, omnivorous fishes: Astyanax bimaculatus and Pimelodus maculatus in rio Tibagi (Paraná, Southern Brazil). Archiv für Hydrobiology, v. 149, n. 2, p. 285-306, 2000.

MELO, C. E.; LIMA, J. D.; MELO, T. L; PINTO-SILVA, V. Peixes do rio das mortes: identificação e ecologia das espécies mais comuns. Cáceres: Editora UNEMAT, 2005. 145 p.

VAZZOLER, A. E. A. M.; MENEZES, N. A. Síntese dos conhecimentos sobre o comportamento reprodutivo dos Characiformes da América do Sul (Teleostei, Ostariophysi). Brazilian Journal of Biology, v. 52, n. 4, p. 627-640, 1992.

Wagner Martins Santana Sampaio – Biólogo

Frederico Belei de Almeida – Biólogo

© 2020 Universidade Federal de Viçosa - Todos os Direitos Reservados