Edição 14 – Dezembro de 2009

Suindara (Tyto alba)

As corujas compõem uma ordem de aves conhecida cientificamente como Strigiformes, a qual se divide em duas famílias: Strigidae e Tytonidae. Das quase 2.000 espécies de aves registradas no Brasil, apenas 23 são corujas, sendo a suindara (Tyto alba) a única representante da família Tytonidae em nosso país. A diferença mais marcante entre as Tytonidae e as Strigidae está na face, que apresenta forma de coração no primeiro grupo, e arredondada no segundo.

A) Suindara (Tyto alba), família Tytonidae. B) Coruja-orelhuda (Asio clamator), família Strigidae. Note o disco facial da suindara, em forma de coração.

Tyto alba é uma coruja esbelta, com cerca de 35 cm, pesando aproximadamente 300 a 400 g. Além do formato do disco facial, é facilmente reconhecida pela coloração branca da fronte e da região ventral. Tanto é que o termo alba em seu nome científico significa literalmente “branco” em latim. Já a palavra Tyto vem do grego antigo, e é uma onomatopéia (palavra que imita o som) de um dos cantos emitidos pela espécie.

A suindara apresenta uma das maiores distribuições geográficas dentre todas as aves conhecidas. Pode ser encontrada em praticamente todo o mundo, salvo regiões desérticas e polares, algumas ilhas, e boa parte da Ásia. Ao longo de sua área de ocorrência, os cientistas reconhecem que mais de 20 populações diferentes de Tyto alba apresentam particularidades entre si. Contudo, ainda não há estudos conclusivos que mostrem que tais populações podem ser consideradas espécies distintas. Enquanto isso, elas são tratadas como subespécies. A suindara brasileira é uma delas, chamada de Tyto alba tuidara.

No Brasil, a suindara pode ser encontrada em ambientes abertos como campos, savanas e bordas de mata em todas as regiões. Apresenta uma notável adaptação à antropização (alterações no ambiente causadas pelos humanos), habitando frequentemente sítios, fazendas, e até mesmo centros urbanos. Essa adaptabilidade lhe rendeu nomes populares como “coruja-de-igreja” e “coruja-das-torres” no Brasil, e “barn-owl” (“coruja-de-celeiro”) nos países de língua inglesa.

Hábitos e alimentação

Tyto alba possui hábitos tipicamente noturnos. À semelhança das demais corujas, seus olhos são voltados para frente, proporcionando um campo de visão binocular, mais ou menos como o nosso. Contudo, elas ainda são capazes de girar a cabeça até cerca de 270º, o que lhes aumenta ainda mais a capacidade visual. À noite sua pupila se dilata de forma incrível, permitindo a entrada da maior quantidade possível de luz nos olhos. E mesmo durante o dia a suindara enxerga bem, ao contrário do que muita gente pensa.

Não bastasse a ótima visão, a suindara é dotada ainda de excelente audição. O disco facial amplifica o som que é enviado ao ouvido, e as aberturas auditivas externas são assimétricas (a do lado esquerdo se posiciona numa altura diferente da abertura do lado direito). Na prática, isso significa que o som atinge cada ouvido em um tempo diferente
(questão de milésimos de segundo), criando uma audição tridimensional que permite à suindara capturar uma presa com incrível precisão, mesmo que sob total escuridão.

As penas das asas também possuem modificações que reduzem muito o ruído produzido durante voo. Desta forma, seu bater de asas torna-se praticamente silencioso.

Graças, portanto, a sistemas sensoriais eficientes, e à morfologia especial das penas das asas, a suindara é uma exímia predadora. Voa ativamente à procura de presas, podendo também ficar à espreita de sua caça. Alimenta-se de uma variedade de animais, como roedores, marsupiais, morcegos, anfíbios, répteis, outras aves, e invertebrados. Os ratos, contudo, correspondem ao maior volume de alimento ingerido por esta coruja. Alguns estudos apontam que em determinadas áreas, mais de 90% de sua dieta é constituída por roedores, o que torna a Tyto alba eficiente no controle populacional de ratos. Curiosamente, o nome suindara tem origem na palavra indígena tuidara, que significa “aquele que não come”.

As corujas tendem a comer suas presas por inteiro, despedaçando-as somente quando têm tamanho muito grande. Uma característica interessante dessas aves é que as partes da presa que não são digeridas (pêlos, penas e ossos, por exemplo) são regurgitadas na forma de pelotas. Essas pelotas constituem uma fonte de informação riquíssima para os pesquisadores compreenderem a dieta desses animais. No caso de roedores, como na maioria das vezes os ossos coletados das pelotas (principalmente os do crânio e da mandíbula) permanecem em ótimo estado deconservação, é possível até mesmo identificar qual espécie foi caçada pela coruja. Há espécies de ratos que foram descobertas a partir de ossos encontrados em pelotas!

A) Pelota de coruja de Tyto alba. B) Ossos encontrados na pelota, proveniente das presas ingeridas pela coruja.

Reprodução e desenvolvimento

No Brasil, a reprodução da suindara ocorre durante quase todo o ano. Na natureza, os ovos (de quatro a seis) são postos em grutas, buracos em barrancos e pedreiras. Em ambientes rurais e urbanos, Tyto alba pode nidificar em celeiros, forros e sótãos de construções. A suindara não constrói o ninho, sendo os ovos postos diretamente sobre o substrato do local, e incubados predominantemente pela fêmea por 30 a 35 dias, período no qual ela é alimentada pelo macho. Após aproximadamente dois meses de idade, os filhotes tornam-se independentes e abandonam o ninho.

Filhotes de Tyto alba: A) recém-nascidos. B) com algumas semanas de vida.

Mau agouro?

As corujas são animais cercados por crenças e mitos. O hábito noturno da maioria das espécies contribui muito para isso, pois a noite sempre foi considerada “misteriosa” por nós, animais diurnos.

Há povos e religiões que veem nas corujas divindades benéficas, símbolos de sabedoria e proteção. Da mesma forma, outros creem que são aves de mau agouro. Talvez sejam seus cantos e pios os principais responsáveis pela má fama em muitas regiões. Afinal, os sons emitidos pelas corujas em nada lembram as melodias dos pássaros canoros, tão apreciadas pelos humanos. A suindara, por exemplo, é também conhecida como “rasga-mortalha”, devido a um forte grito que eventualmente emite durante o voo (acesse o link a seguir, onde estão disponíveis diversos cantos da suindara: http://www.xeno-canto.org/browse.php?query=tyto+alba).

O fato, é que os sons emitidos pelas corujas nada têm a ver com premonições. São na verdade uma forma de comunicação desses animais, que para nós pode parecer estranha. Não podemos, portanto, deixar nossa falta de conhecimento acerca de uma espécie (seja uma coruja ou qualquer outro ser vivo) se transformar em intolerância e repúdio. Ao invés disso, devemos buscar pesquisar mais sobre tais criaturas que nos intrigam, e assim conhecê-las melhor. Este é um dos pré-requisitos para vivermos em harmonia com a biodiversidade que nos cerca.

A suindara em Minas Gerais e em Viçosa

Sua distribuição geográfica naturalmente ampla, e sua adaptabilidade a ambientes alterados pela ação humana, possibilitam à suindara estar presente possivelmente em todo o estado de Minas Gerais. Em Viçosa esta ave é considerada comum, habitando bordas de matas, áreas rurais, o campus da UFV, e mesmo pontos dentro da cidade.

Você Sabia?

Na Grécia Antiga, a coruja-pequena (Athene noctua), nativa de parte da Europa, África e Ásia era o símbolo da deusa da guerra e sabedoria, Atena. O nome científico do gênero, Athene, é justamente uma referência à divindade grega. No Brasil há uma espécie representante deste gênero: a coruja-buraqueira, Athene cunicularia.

Athene cunicularia (coruja-buraqueira).

Referências Bibliográficas

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Henrique Caldeira Costa – Biólogo

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