Edição 20 – Junho de 2010

Tucunaré-amarelo (Cichla kelberi)

Os tucunarés (gênero Cichla) pertencem à família Cichlidae, considerada a mais rica em espécies de peixes de água doce do mundo e uma das maiores famílias de vertebrados, com pelo menos 1.300 espécies registradas e estimativas de aproximadamente 1.900 existentes. Atualmente são conhecidas 15 espécies de tucunarés, as quais são diferenciadas principalmente pelo padrão de colorido, número de escamas e medidas corporais (morfometria).

tucunaré-amarelo (Cichla kelberi) ocorre naturalmente na bacia do Rio Araguaia, no Mato Grosso e Goiás, e no baixo Rio Tocantins, no Pará. É um peixe de médio porte, alcançando em média 21 cm de comprimento, mas podendo chegar a cerca de 30 cm. Possui manchas claras nas nadadeiras pélvica, anal e caudal, que o diferenciam de todas as demais espécies de tucunarés.

O nome tucunaré tem origem indígena, porém incerta, talvez significando “olho para trás” ou “olho para a água”, devido à presença de uma mancha em forma de olho na cauda, típica desses peixes. O nome do gênero, Cichla, tem origem na palavra kichla, que os gregos antigos usavam para denominar diversos peixes. Em 1801, quando Cichla foi descrito, muitas espécies de várias partes do mundo (incluindo um tucunaré), foram incluídas neste gênero. Com o passar dos anos e aumento dos estudos, muitas mudanças taxonômicas ocorreram, e hoje apenas os tucunarés são chamados de Cichla. O nome específico kelberi, por sua vez, é uma homenagem a Dielter Kelber, pessoa influente na promoção da pesca esportiva dos tucunarés.

Algumas das espécies de tucunarés reconhecidas atualmente. A) Cichla temensis (tucunaré-açu); B) Cichla piquiti (tucunaré-azul); C) Cichla monoculus (tucunaré-comum); D) Cichla ocellaris (lukanani); E) Cichla orinocensis (tucunaré-borboleta).
Cichla kelberi (tucunaré-amarelo).

Hábitos e alimentação

A maioria dos peixes da família Cichlidae da região neotropical ocupa habitats lênticos (águas paradas) em rios e córregos, mas há também um número moderado de espécies adaptadas a ambientes lóticos (águas correntes). O tucunaré-amarelo, é diurnosedentário, vive em grupos e habita ambientes lênticos de água transparente. Seus abrigos prediletos são troncos e galhos de árvores caídas ou submersas durante o período da cheia. Cichla kelberi possui um hábito alimentar que varia de acordo com a faixa etária: os indivíduos jovens, devido ao pequeno tamanho, consomem principalmente invertebrados aquáticos, e à medida que crescem passam a se alimentar de outros peixes (inclusive da mesma espécie).

Reprodução

A reprodução do tucunaré-amarelo na natureza ocorre no período chuvoso, mas em ambientes como reservatórios e lagoas artificiais, onde há pouca variação no nível da água, a espécie pode se reproduzir várias vezes ao ano. Este peixe não realiza piracema, mas na época reprodutiva os adultos formam pares, constroem ninhos no fundo de lagos, remansos de rios e embaixo de troncos submersos, e cuidam dos ovos e larvas (alevinos).

Cichla kelberi apresenta desova parcelada, o que significa que as fêmeas liberam sucessivos lotes de óvulos (em média 5 mil por lote) para fecundação, ao longo da estação reprodutiva. Se comparado com muitos outros peixes, o número de óvulos liberados pelas fêmeas de tucunaré é menor. Porém, o cuidado dos pais ajuda a garantir um alto índice de natalidade.

O tucunaré-amarelo atinge a maturidade sexual logo no primeiro ano de idade. Entre 19 e 23 cm de comprimento, metade dos indivíduos já está apta a se reproduzir. Os machos em geral ficam maiores que as fêmeas. Além disso, nos machos reprodutivos há formação de uma característica protuberância no topo da cabeça, popularmente chamada de “giba”.

Macho adulto de Cichla kelberi. Note a presença da “giba”, uma protuberância no topo da cabeça.

Introdução de Cichla kelberi

Por serem peixes muito apreciados para a pesca esportiva, as espécies de tucunarés vêm sendo, ao longo das últimas décadas, introduzidas em ambientes onde não ocorriam naturalmente. Esta introdução ocorre quando os peixes chegam às lagoas e rios após o rompimento de tanques de piscicultura, ou pela soltura direta por parte de alguma pessoa.

A introdução de espécies exóticas (não-nativas daquele local específico) traz sérios problemas para a conservação ambiental, e é hoje um dos maiores responsáveis pelo declínio e extinção de espécies nativas. O tucunaré-amarelo, foi introduzido em diversas localidades onde não estava presente naturalmente. Hoje, há registros da espécie em áreas dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e até no Paraguai. A introdução de Cichla kelberi causa uma grande desordem na ictiofauna local, devido principalmente ao seu potencial territorialista, grande voracidade e alta fecundidade.

O tucunaré-amarelo em Minas Gerais e Viçosa

Embora não ocorra naturalmente em Minas Gerais, o tucunaré-amarelo foi introduzido em diversos reservatórios de hidrelétricas e rios do Estado. Hoje, é possível encontrá-lo, por exemplo, nas represas de EstreitoPorto ColômbiaSão Simão e Volta Grande, e na bacia do Rio Doce. No Parque Estadual do Rio Doce (PERD), um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica de Minas Gerais, houve introdução de Cichla kelberi no passado, para pesca esportiva. A espécie foi aparentemente introduzida em uma das 42 lagoas naturais do parque, mas hoje é encontrada na maioria delas, uma vez que na época de chuvas, o excesso de água faz com que as lagoas se comuniquem. Diversos estudos vêm demonstrando nos últimos anos que a presença do tucunaré-amarelo e outros peixes introduzidos tem levado ao declínio e extinção de populações de peixes nativos nas lagoas do parque, como o lambari, o lambari-bocarra, a piabanha e o piau, alterando todo o ecossistema lacustre.

Não há registros confirmados da presença do tucunaré-amarelo em Viçosa, mas há relatos de introdução de alguma espécie de Cichla em represas da região.

A introdução do tucunaré-amarelo nas lagoas do Parque Estadual do Rio Doce, levou ao declínio e extinção de populações de peixes nativos.

Você Sabia?

Das quinze espécies de tucunarés reconhecidas atualmente, nove foram descritas pela ciência apenas em 2006, após um amplo estudo realizado por um pesquisador sueco e outro brasileiro. Cichla kelberi é uma dessas novas espécies, e vinha até então sendo confundida com outras que já eram conhecidas, como Cichla ocellaris e Cichla monoculus.

Na imagem ao lado é possível conferir a página inicial do extenso trabalho que descreveu nove novas espécies de tucunarés em 2006, na revista científica Ichthyological Exploration of Freshwaters.

Referências Bibliográficas

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Claudineia Barbosa de Lima – Bióloga

Rosângela Lira de Souza – Bióloga

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