Edição 25 – Novembro de 2010
Muçum (Synbranchus marmoratus)
Os Synbranchidae são peixes que se destacam pela sua forma característica, possuindo um corpo cilíndrico, alongado, sem escamas (ou com escamas pequenas), sem costelas, nadadeiras rudimentares ou até mesmo ausentes. Também não possuem bexiga natatória (órgão que auxilia a controlar a profundidade do mergulho), e seus olhos são pequenos. Esta forma corporal curiosa, acaba fazendo com que os Synbranchidae sejam muitas vezes confundidos com serpentes.
O nome desta família de peixes também está relacionado a uma de suas principais características, derivando do grego syn (unidos) + branchia (brânquias, guelras) = “brânquias unidas”. A água que entra pela boca dos peixes, passa pelas brânquias (que capturam oxigênio para respiração) e sai pelas fendas branquiais. Mas no caso dos Synbranchidae, há apenas uma fenda branquial composta por um orifício ventral, e não duas aberturas laterais, uma em cada lado da cabeça, como estamos acostumados a ver na maioria dos peixes.
Se compararmos com outras famílias de peixes ósseos (que podem ter centenas de espécies), os Synbranchidae constituem um grupo pequeno, com apenas quatro gêneros e pouco mais de vinte espécies, distribuídos na região tropical da Ásia, na Oceania, oeste da África, América Central e América do Sul.
O gênero Synbranchus é o único dessa família que ocorre no Brasil, com três espécies popularmente conhecidas como muçum, enguia-do-pântano ou cobra-d’água (embora sejam peixes). A espécie Synbranchus marmoratus é o muçum mais comum e mais conhecido.
Hábitos e alimentação
Synbranchus marmoratus ocorre do México à Argentina, vivendo em lagos, córregos, brejos, pântanos e rios, sendo visto ocasionalmente em água salobra. Pode habitar o interior de cavernas, ou tocas nas margens dos rios para se abrigar. À noite, o muçum pode migrar de um corpo d’água para outro próximo, rastejando pelo chão. Para isso, ele conta com mais uma adaptação: a respiração aérea. Ou seja, pode respirar fora da água, graças à faringe altamente vascularizada, que funciona como um pulmão.
O muçum é um predador de hábitos noturnos, se alimentando de presas vivas, principalmente crustáceos, moluscos e pequenos peixes, mas também insetos, minhocas e materiais vegetais.
Nos períodos de seca, o muçum costuma cavar uma toca em forma de tubo, onde permanece em estado letárgico até o início das chuvas, ou caso surja alguma ameaça. Sua pele libera grande quantidade de muco, e assim se mantém umedecida, enquanto alterações na fisiologia de órgãos como rins e fígado garantem a sobrevivência sem alimentação.
Reprodução
Synbranchus marmoratus possui uma biologia reprodutiva estranha, conhecida como protogia. Algumas fêmeas podem mudar de sexo, tornando-se machos! Esses indivíduos são chamados de machos secundários, enquanto que os machos primários são aqueles que já nasceram deste sexo.
Durante o período de reprodução, as tocas utilizadas pelos muçuns servem de ninhos. Cada ninho pode conter até cerca de 30 ovos e larvas em diferentes estágios de crescimento, indícios de que estes peixes produzem múltiplas ninhadas ao longo da estação reprodutiva, ou que ovos de pais e mães diferentes são postos num mesmo ninho.
O muçum-de-Marajó (Synbranchus lampreia) apresenta um comportamento ainda não visto em Synbranchus marmoratus. Os machos protegem os ninhos, ficando próximos a eles, e demonstrando agressividade quando alguém chega perto.
Exótico no prato e na natureza
Em alguns países asiáticos, como a China, a carne de peixes da família Synbranchidae é uma iguaria muito apreciada. Isso fez com que imigrantes chineses levassem exemplares vivos da espécie Monopterus albus da Ásia para o Havaí, no início do século XX, para ser criado e vendido em mercados de peixe. Alguns espécimes escaparam dos criatórios e invadiram ambientes naturais da ilha norte-americana.
Na década de 1990, o Monopterus albus foi encontrado em ambientes naturais dos estados da Flórida e Geórgia, onde também pode ter fugido de criadouros, ou sido solto por aquariofilistas. Como é uma espécie exótica a esses ambientes dos EUA, a presença do M. albus acarreta em desequilíbrio dos ecossistemas locais.
O muçum em Minas Gerais e Viçosa
Em Minas Gerais, o muçum é encontrado em diversas bacias hidrográficas, como as dos rios São Francisco, Doce, Alto Paraná e Paraíba do Sul. A maioria dos relatos demonstra que a presença do muçum está relacionada a lagoas marginais, poças temporárias e pequenos córregos, habitats característicos dos rios mineiros.
No município de Viçosa, os registros existentes indicam que o muçum pode ser encontrado vivendo principalmente em pequenos riachos.
Devido à sua ampla distribuição, Synbranchus marmoratus não é uma espécie ameaçada de extinção. Além disso, seu hábito de se esconder em tocas faz com que ele deixe de ser registrado em diversos estudos de inventário de fauna. Dessa forma, é possível que o muçum seja uma espécie mais comum do que se imagina.
Você Sabia?
O gênero Ophisternon, também pertencente à família Synbranchidae, possui seis espécies, que ocorrem na América Central, África, Ásia e Oceania. Duas delas, Ophisternon infernale, do México (ameaçada de extinção) e Ophisternon candidum, da Austrália, vivem exclusivamente em cavernas, e são tão adaptados a elas que seu corpo perdeu os pigmentos e até os olhos! Recentemente, pesquisadores relataram a descoberta de mais uma espécie de Ophisternon cavernícola na Austrália, que ainda não recebeu uma descrição científica oficial.
Dizem que Antônio Carlos Bernardes Gomes, mais conhecido como o Mussum d’Os Trapalhões, ganhou seu apelido graças ao também humorista Grande Otelo, que assim o chamou devido à cor de sua pele, em referência ao peixe muçum.
Referências Bibliográficas
Favorito, S. E., A. M. Zanata e M. A. Assumpção. 2005. A new Synbranchus (Teleostei: Synbranchidae) from ilha de Marajó, Pará, Brazil, with notes on its reproductive biology and larval development. Neotropical Ichtyology 3(3): 319-328.
Froese, R. e D. Pauly. 2010. FishBase. (Disponível em http://www.fishbase.org/search.php).
Hutchins, M., D. A. Thoney, P. V. Loiselle e N. Schlager (ed.). 2003. Grzimek’s Animal Life Encyclopedia, 2nd edition. Volumes 5: Fishes II. Farmington Hills: Gale. 547 p.
National Biological Information Infrastructure e IUCN/SSC Invasive Species Specialist Group. 2005. Monopterus albus (fish). In Global Invasive Species Database. (Disponível em http://www.issg.org/database/species/ecology.asp?fr=1&si=446&sts=).
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Frederico Belei de Almeida – Biólogo
Henrique Caldeira Costa – Biólogo